Archive for janeiro 29th, 2011

29/01/2011

Em encontro com blogueiros potiguares, Nicolelis fala sobre ciência, democracia, política e jornalismo

Por Alisson Almeida

O movimento dos Blogueiros Progressistas do Rio Grande do Norte recebeu, na noite desta sexta-feira (28), o neurocientista Miguel Nicolelis, professor da Universidade de Duke (EUA) e co-fundador do Instituto Internacional de Neurociência de Natal Edmond e Lilly Safra. O evento, realizado no auditório da Livraria Siciliano (Shopping Midway Mall), serviu como preparação para o 1º Encontro de Blogueiros Progressistas do RN, marcado para os dias 25, 26 e 27 de março.

O tema do bate-papo foi “Redes sociais, participação política e desenvolvimento da ciência”. Nicolelis iniciou dizendo que sua participação no evento demonstrava o poder dessas novas formas de comunicação. “Estou no Twitter há apenas 15 dias, mas já estou aqui para falar sobre redes sociais – mesmo sem saber nada sobre isso”, brincou, arrancando risos da plateia.

Em seguida, disse que o título da palestra poderia ser “Eu juro que eu sou eu”, fazendo referência ao debate travado com uma badalada blogueira potiguar, a quem teve que provar que seu recém-criado perfil no Twitter não era um fake. Nicolelis aproveitou o episódio como gancho para tratar da questão da identidade no contexto das redes sociais. Ele sustentou que o modelo de mundo que conhecemos, bem como nossa identidade, não passa de uma “simulação” do cérebro. Emendou dizendo que a “cultura do ‘eu’ é uma ilusão”. “Eu me defrontei com essa ilusão ao tentar provar que eu sou eu. Eu me engajei num debate com uma jornalista que foi uma das coisas mais fascinantes. Comecei a falar das minhas opiniões, primeiro sobre a política do RN, mas não funcionou”.

“Pare pra pensar: nós vivemos num mundo em que qualquer um pode ser eu, qualquer um pode assumir qualquer personalidade. O sucesso das redes sociais, em minha opinião de neurocientista, se deve, primeiro, a uma coisa que vou tratar no livro que será lançado no próximo mês. Daqui a algumas centenas de anos não vamos precisar disso aqui, teclado, celular… Nós vamos pensar e nos comunicar, nos amalgamar numa rede conscientemente sem a necessidade dessas coisas pouco eficientes, como os nossos dedos, os teclados… Nós já estamos observando, mesmo com os limites que temos, já vivemos os primórdios de uma sociedade onde a identidade real não faz diferença nenhuma”, discorreu.

O neurocientista destacou que as redes sociais “conseguiram fazer as identidades, às quais a gente se apegou tanto, desaparecerem”. “Você pode assumir o que você sempre quis ser, mas não podia por medo do preconceito. Nós ainda não conseguimos lidar com o fato que as pessoas são de diferentes matizes. As redes têm essa vantagem de permitir que as pessoas possam assumir [suas ideias] livremente”.

“Não existe isso de imparcialidade”

Após discorrer sobre as redes sociais e a dispersão da identidade, Nicolelis afirmou que a ideia da “imparcialidade”, tanto jornalística quanto científica, não passa de “balela”. “Como neurocientistas, estamos cansados de saber que não existe isso de imparcialidade, como pretendem os jornalistas. Não existe imparcialidade nem jornalística nem científica”.

Para comprovar sua sentença, relembrou a cobertura midiática das eleições presidenciais do ano passado, quando a imprensa tradicional, mesmo se dizendo “imparcial”, se alinhou à candidatura do candidato do PSDB/DEM, o ex-governador de São Paulo José Serra. “O que aconteceu no Brasil na eleição passada foi a demonstração da falácia de certos meios de imprensa e do partidarismo que invadiu essa opinião dita imparcial. Mas o desmentido só ocorreu nesse lugar capilarizado chamado blogosfera. A guerra da informação foi travada aí. A eleição foi ganha na trincheira da blogosfera, porque os desmentidos eram instantâneos”, comentou.

Nicolelis defendeu que a “teia” – termo que disse preferir usar para se referir às redes sociais – que está se formando no Brasil “é um fenômeno mundial de relevância fundamental”. Para ele, a blogosfera teve um papel de destaque nas eleições de 2010. “Essa teia já ganhou uma eleição do ponto de vista da informação, já derrotou o exército de uma mídia que tem opinião, mas que exerceu essa opinião sem dizer. Aí é que tá o engodo. A opinião é legítima, mas esconder que tem opinião não é”.

Miguel Nicolelis frisou que outro efeito provocado pelo surgimento dessa teia é o fato de considerar “inevitável a quebra do monopólio do conhecimento, da noticia e do fato”. “Cada um de nós pode ser o propagador de um fato, de uma interpretação do fato”.

Mesmo ressaltando sua condição de neófito, Nicolelis demonstrou entusiasmo com o potencial dessa “teia” desembocar no surgimento de um novo modelo de democracia, em que os indivíduos tenham um novo papel. “A democracia representativa é muito interessante, mas ela faliu, porque o grande objetivo dos representantes dos indivíduos do planeta é representar a si mesmo. Existe um potencial imenso de uma nova democracia, onde os indivíduos tenham um novo papel, em que possam ser agentes atuantes e definidores da nossa cidadania”.

29/01/2011

Miguel Nicolelis e os blogs sujos

Por Daniel Dantas, de Natal, RN

Entrei em casa precisamente à meia noite.  Estava extasiado.  É tocante e empolgante, para mim, ver alguém apaixonado falando.  Hoje, tive o privilégio de ouvir um dos cientistas mais importantes do planeta, Miguel Nicolelis.

Para mim, além da emoção, não posso negar que me enchi de um orgulho.  O twitter possibilitou a mim e a meus companheiros blogueiros sujos de Natal reunirmo-nos pessoalmente com um homem apaixonado.  Apaixonado e militante.  Defensor de uma revolução social.  De um modelo de nação nascido com o presidente Lula.  Que põe a cara a tapa e não se deixa vencer pelas consequências.  Que é sonhador e utópico.  Empolgante para mim, como militante, como organizador, como blogueiro sujo e como pesquisador.  Desafiador.

Para mim, de tantas coisas que ainda serão ditas do encontro desta noite, me chamaram a atenção algumas coisas que mostram o descaso do poder público com o projeto de revolução de Nicolelis.

Primeiro, ele arrancou risos da platéia lembrando que até a Science, maior revista científica do mundo, já falou do absurdo que é o não asfaltar os cinquenta metros que levam a esquina da Natal Veículos à Sede do Instituto no bairro de Neópolis, em Natal.  Ele lembrou que onde chega no mundo, “Alemanha, Suiça, as pessoas perguntam: já asfaltaram?”.  De uma criticidade cômica!

Ele destacou também que esteve com a governadora Rosalba Ciarlini há quase dez dias e lhe prometeram uma lista de prédios públicos fechados nos quais ele poderia instalar a rede de escolas que propõe.  Até agora, uma simples lista de prédios públicos não foi disponibilizada.

Mas, sem dúvida, os momentos que mais descontraíram o ambiente foram as referências à dificuldade que as pessoas tiveram de entender que Nicolelis estava no twitter e não era um fake.  A discussão de identidade, neurociência decorrente daí foi genial.  Do tipo freireana.  As referências à Thaisa Galvão, que duvidara que ele era ele por causa da forma como ele se posicionava – “cientista não se posiciona assim” – foram hilárias.

Uma pena que as despedidas foram rápidas.  Miguel é aquele tipo de pessoa encantadora, como se fosse um livro de estórias que a gente abre na infância e só consegue largar quando crescem os netos.  Como se fosse um livro escrito pela sua mãe.  Como se fosse um livro escrito por ele, para nós, nossos filhos, netos e as futuras gerações – gerações que poderão ser o que quiserem e estar onde desejarem.  A partir do mais simples sonho: de que o filho do pobre pode ser astrônomo, advogado, médico ou filósofo.  Ele pode ser o que quiser e não o que a Revolução Industrial tenta impor que seja.

Quem esteve esta noite na Siciliano e quem pode acompanhar pelo twitcam saiu de lá mais leve, mais feliz, desafiado e realizado.  Digam por aí que @MiguelNicolelis existe, não é um fake, é real